3 de março de 2011

[ Rorty ]

Quem haverá de negar que os livros de alta ajuda são muito melhores do que os de auto-ajuda? E os livros do filósofo Richard Rorty são todos de altíssima ajuda. Suas reflexões sobre a natureza do ser humano e a dinâmica do conhecimento sempre acalmam minhas piores angústias.
Uma de suas palestras acaba de ser lançada pela editora Martins Fontes, com o título Uma ética laica. Recomendo. Trechos como esses significam um pouco de luz no caos mental:


Santayana afirmava, e eu concordo com ele, que a única fonte de ideais morais é a imaginação humana. (…) A asserção de Santayana sobre o fato de que a imaginação é uma fonte suficientemente boa para os ideais levou-o a afirmar que a religião e a poesia são idênticas em sua essência.
Deveríamos deixar de pensar no que um ideal pretende de nós e de nos questionar sobre a natureza de nossas obrigações para sermos fiéis a um ideal. Dedicar-se a um ideal moral é como se dedicar a outro ser humano. Quando nos apaixonamos por outra pessoa, não nos questionamos sobre a origem ou sobre a natureza de nosso esforço em cuidar do bem-estar dessa pessoa. É igualmente inútil fazê-lo quando nos apaixonamos por um ideal.
(…)
Foi Platão quem fundou a tradição adotada pelo papa, ligando a ideia de imortalidade à de imaterialidade e infinidade. A alma imaterial, cuja verdadeira sede é o mundo imaterial, um dia habitará os amplos espaços da própria infinidade, tornando-se imune aos desastres que inevitavelmente abalam qualquer ser meramente espaçotemporal, meramente finito. Muitas vezes se diz que os que discordam de Platão — como eu e os filósofos a que me referi — são desprovidos do sentido do espiritual. Se por espiritualidade se entende uma aspiração ao infinito, essa acusação é perfeitamente justificada, mas ela não se justifica quando se vê a espiritualidade como um sentido elevado de novas possibilidades que se abrem para os seres finitos. A diferença entre esses dois significados do termo espiritualidade é a diferença entre a esperança de transcender a finitude (o papa) e a esperança num mundo em que os seres humanos tenham vidas muito mais felizes do que as que vivem atualmente (eu).